domingo, 16 de janeiro de 2011

Vou contar-vos um segredo…

Os meus bolos são diferentes, os meus bolos são especiais, não porque sejam melhores que os outros, não! Mas sim porque têm um dom especial: escapam à mera conjugação de elementos químicos que permite a transformação de uma massa opaca e reduzida numa massa fofa e que cresce com a ajuda dos pozinhos de fermentação. Os meus bolos têm outro tipo de magia, são contadores de histórias: contam histórias de receitas antigas, histórias de festejos presentes e histórias de sonhos futuros. Vejamos.

Há muito, muito tempo, numa vila abraçada por montes e vales da Serra da Estrela, de seu nome Manteigas, existia uma pequena casinha na qual morava a Sr.ª Zézita com o seu marido e seis filhos. Durante a noite, a luz da sua cozinha destacava-se na paisagem escura e da sua chaminé emanava o fumo cujo cheiro a bolinhos acabados de cozer se espalhava por toda a vila, embalando os seus moradores em doces sonhos. A Sr. ª Zézita não parava. Partia dezenas de ovos, pesava kilos de açúcar e farinha, batia com persistência claras que se levantavam em castelos, envolvia, mexia, batia, untava e…, como por magia, nasciam das suas mãos queques, biscoitos, cavacas e lagartas, carolos e esquecidos, bolos grandes, bolos pequenos… Era um corrupio para lá e para cá.

Hoje, quando faço os meus bolinhos, a Sr.ª Zézita continua presente. Dela não herdei apenas um livro de receitas, herdei, sobretudo, o gosto por esta arte. Obrigada minha querida avó.

Os meus bolos contam também histórias do presente. Há volta do bolo festeja-se a vida, momentos e datas, casamentos e baptizados, e isso exige que se apresente com toda a pompa e circunstância! Aqui, a decoração do bolo é fundamental. Um detalhe, um pormenor personalizado, atrairá a atenção de todos. Os bolos artísticos são criações de mundos a pensar em quem festeja e no que se comemora no presente.

Por último, o bolo é também convite à partilha, não só de uma fatia, pois claro, mas a partilha de sonhos, de expectativas, de esperanças. Apaga-se uma vela, pensa-se num desejo. Corta-se uma fatia e faz-se um brinde a um futuro melhor. Tchim..tchim…

Apresento-vos um exemplo de um bolo contador de histórias: o bolo a quem chamei “a doce republica”. É um bolo confeccionado de forma tradicional com as receitas da Sr.ª Zézita, festeja o 10º aniversário de um menino, no dia 5 de Outubro de 2010, e que decidiu felicitar também a República pelo seu centenário. Pois, sim, lá vai o Rei no barco “D. Amélia”, de malas feitas, arrastando a bandeira monárquica. Cá ficam os republicanos a cantar “A Portuguesa” e a colorir Portugal de verde e vermelho. E agora, quais os teus sonhos, menino? E agora, que ambicionas tu, ó República?

Os meus bolos são assim, mágicos contadores de histórias.



Texto publicado no Jornal da Escola EB2,3 Nuno Gonçalves, Lisboa
Abancatilê, nº37, Dezembro 2010
















1 comentário:

  1. Adorei todas as tuas criações artísticas.Não basta saber fazer mas antes fazer com arte,com minúcia,com sentido do momento...És uma criativa e colocas um sentido de humor característico,que faz a diferença entre o que é comum e o diferente.
    O que apresentas não são simples bolos comemorativos mas "Arte culinária" merecedora de qualificação superior...
    Por último, apraz-me reconhecer a dedicatória à
    tua avó Zezita,grande mulher,mãe e avó,tua musa inspiradora e que indirectamente te legou valores.Gostei e desejo-te tudo de bom.
    Beijos do tio Daniel.

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