Os meus bolos são diferentes, os meus bolos são especiais, não porque sejam melhores que os outros, não! Mas sim porque têm um dom especial: escapam à mera conjugação de elementos químicos que permite a transformação de uma massa opaca e reduzida numa massa fofa e que cresce com a ajuda dos pozinhos de fermentação. Os meus bolos têm outro tipo de magia, são contadores de histórias: contam histórias de receitas antigas, histórias de festejos presentes e histórias de sonhos futuros. Vejamos.
Há muito, muito tempo, numa vila abraçada por montes e vales da Serra da Estrela, de seu nome Manteigas, existia uma pequena casinha na qual morava a Sr.ª Zézita com o seu marido e seis filhos. Durante a noite, a luz da sua cozinha destacava-se na paisagem escura e da sua chaminé emanava o fumo cujo cheiro a bolinhos acabados de cozer se espalhava por toda a vila, embalando os seus moradores em doces sonhos. A Sr. ª Zézita não parava. Partia dezenas de ovos, pesava kilos de açúcar e farinha, batia com persistência claras que se levantavam em castelos, envolvia, mexia, batia, untava e…, como por magia, nasciam das suas mãos queques, biscoitos, cavacas e lagartas, carolos e esquecidos, bolos grandes, bolos pequenos… Era um corrupio para lá e para cá.
Hoje, quando faço os meus bolinhos, a Sr.ª Zézita continua presente. Dela não herdei apenas um livro de receitas, herdei, sobretudo, o gosto por esta arte. Obrigada minha querida avó.
Os meus bolos contam também histórias do presente. Há volta do bolo festeja-se a vida, momentos e datas, casamentos e baptizados, e isso exige que se apresente com toda a pompa e circunstância! Aqui, a decoração do bolo é fundamental. Um detalhe, um pormenor personalizado, atrairá a atenção de todos. Os bolos artísticos são criações de mundos a pensar em quem festeja e no que se comemora no presente.
Por último, o bolo é também convite à partilha, não só de uma fatia, pois claro, mas a partilha de sonhos, de expectativas, de esperanças. Apaga-se uma vela, pensa-se num desejo. Corta-se uma fatia e faz-se um brinde a um futuro melhor. Tchim..tchim…
Apresento-vos um exemplo de um bolo contador de histórias: o bolo a quem chamei “a doce republica”. É um bolo confeccionado de forma tradicional com as receitas da Sr.ª Zézita, festeja o 10º aniversário de um menino, no dia 5 de Outubro de 2010, e que decidiu felicitar também a República pelo seu centenário. Pois, sim, lá vai o Rei no barco “D. Amélia”, de malas feitas, arrastando a bandeira monárquica. Cá ficam os republicanos a cantar “A Portuguesa” e a colorir Portugal de verde e vermelho. E agora, quais os teus sonhos, menino? E agora, que ambicionas tu, ó República?
Os meus bolos são assim, mágicos contadores de histórias.
Texto publicado no Jornal da Escola EB2,3 Nuno Gonçalves, Lisboa
Abancatilê, nº37, Dezembro 2010
Adorei todas as tuas criações artísticas.Não basta saber fazer mas antes fazer com arte,com minúcia,com sentido do momento...És uma criativa e colocas um sentido de humor característico,que faz a diferença entre o que é comum e o diferente.
ResponderEliminarO que apresentas não são simples bolos comemorativos mas "Arte culinária" merecedora de qualificação superior...
Por último, apraz-me reconhecer a dedicatória à
tua avó Zezita,grande mulher,mãe e avó,tua musa inspiradora e que indirectamente te legou valores.Gostei e desejo-te tudo de bom.
Beijos do tio Daniel.